Heróis ou burocratas?

Quando se arriscam para salvar vidas, aplausos. Quando tentam prevenir o infortúnio ficam sob fogo cruzado

Cresci passando em frente à torre que existe até hoje na Guarnição do Corpo de Bombeiros. Como haviam poucos edifícios em Novo Hamburgo naquela época, a altura me impressionava. A imponência do prédio tinha, obviamente, uma explicação. Com vista de 360º possibilitava visualizar a cidade e identificar possíveis incêndios. Eu ficava imaginando a destreza dos soldados deslizando na coluna de metal quando acionados para atender um sinistro. E admirava, como todo mundo, aqueles verdadeiros heróis. Neste papel, continuam sendo sempre heróis. Mas esta imagem tem sido ofuscada, principalmente no mercado da construção civil, desde que a prevenção passou a ser, cada vez mais, uma exigência do mundo moderno. Muitos colegas, empresários, engenheiros, arquitetos e gente como a gente reclamam de dificuldades e entraves impostos pelos Bombeiros quando o que mais precisam é de agilidade. Da necessidade do Alvará para instalar uma empresa, a entrega de uma obra ou início de um novo negócio, todos têm uma história para contar da peregrinação para conseguir atender às exigências, fazendo o contribuinte gastar mais e ver seu cronograma comprometido. Será?

Fui ouvir o lado deles. O Capitão Sório que é o Comandante da Segunda Cia do 2º Batalhão de Bombeiros Militar diz que não é bem assim e afirma:

“SE DISSEREM QUE UM PROJETO ESTÁ HÁ MAIS DE 2 MESES AQUI, BUSQUE SABER MAIS. PARADO AQUI, NÃO!”  

No meio imobiliário, as queixas com os Bombeiros são muitas. Por quê?

Houve um tempo em que, realmente, era deficitário o atendimento de muitas demandas do setor imobiliário. Burocracia, sistemas ultrapassados de gestão, falta de apoio, muitas coisas ajudavam a tirar agilidade dos processos. Somos os responsáveis e assinamos os projetos de 5 municípios: Novo Hamburgo, Campo Bom, Estância Velha, Ivoti e Dois Irmãos. Nós tínhamos prazos muito ruins em função de tudo isso. Seis, sete, oito meses… Atualmente, conseguimos, com efetivo menor e maior organização, obedecer aos prazos legais. São 30 dias para análise e 30 para inspeção.

Existem prioridades para os Bombeiros?

Antes tudo era prioridade. A lei KISS (14.376) ajudou a mudar este quadro, pois estabelece que não cabe uma escola ficar esperando para iniciar um ano letivo, um hospital ou UTI ficar parado com as pessoas doentes precisando… Esses casos têm prioridade, mas são pontuais. Não tem hospital sendo feito todo dia. Portanto, a fila tem que andar e, para cumprir nossas metas, mudamos a forma de fazer. Hoje, a análise de casos menos complexos são enviadas para as corporações das cidades menores que estão sob nosso comando. Os colegas fazem este trabalho e agilizam os procedimentos pra gente. Os casos mais complexos são feitos e analisados aqui.

O que é mais complexo?

Prédios multifamiliares, estabelecimentos comerciais, indústrias. Um depósito de pedras, com certeza, não tem a mesma exigência que uma boate. O PPCI depende muito do tipo de ocupação para ser liberado e obedece duas fases que vão determinar a emissão do Alvará. A primeira fase é cartorial: o engenheiro traz a planta, todo o projeto elétrico, equipamentos de prevenção que serão instalados e todos os documentos atinentes àquele prédio. Fazemos a análise de tudo isso para assegurar o cumprimento das exigências e, então, emite-se – ou não – o certificado de conformidade. A segunda fase inicia-se depois que prefeitura fez a vistoria de sua responsabilidade e quando  somos informados de que tudo o que estava na planta foi cumprido e está realizado. Aí vamos inspecionar e confirmar as condições das saídas, distâncias a serem percorridas, extintores, escadas, corrimões, todos os sistemas de segurança. É importante destacar que este pedido de inspeção é formal, a gente precisa receber esta solicitação, não podemos adivinhar. A partir daí é emitido o Alvará. Não tem mistério, é só fazer a coisa certa.

O que mudou?

Uma grande indústria entrava na fila junto com a barbearia do Zé. Claro que a análise da barbearia é menos complexa, mas era o sistema de funcionamento, com processos e mais processos para análise documental. Em novembro de 2016 implantamos a liberação online para empreendimentos de baixo risco. Agora, entraram também os de risco médio, estabelecimentos com metragem de até 750 metros que não apresentam perigo muito grande. Passamos a ter condições de dar mais atenção àqueles projetos onde há risco maior para a população. Isto nos deu um fôlego para fiscalizar o que realmente é importante, complexo.

NOSSO MAIOR BEM É O EFETIVO, PODEM  ACREDITAR

Onde estão os gargalos, então?

Certamente, não mais aqui. Tem muito responsável técnico que não tem a qualificação necessária. Inclui nos projetos itens que para nós não são necessários ou que trabalha com especificações erradas. O Corpo de Bombeiros ratifica: colocar os degraus conforme ART tal. Aí ele vai lá e faz errado de novo. Estou dando um exemplo. Isso acontece muito. Outras vezes, o interessado atrasa ou o processo está trancado na empresa de prevenção e alegam que está parado no Corpo de Bombeiros. Não, não está. Hoje você pode ligar para cá ou até mesmo vir aqui e comprovar. Pode descobrir, por exemplo, que uma notificação foi enviada para correção no mês de janeiro e, passados 60 dias ou mais, não houve retorno. A culpa é de quem?

O processo pode ser acompanhado pelo interessado, então?

Quando você protocola seu projeto junto ao Corpo de Bombeiros recebe uma chave de acesso e pode acompanhar online o andamento do seu processo. Uma dica: quando disserem que um projeto está há mais de 2 meses aqui, alguma coisa errada tem. Por que aqui não fica parado, isto eu afirmo categoricamente. Acontece, e é rotineiro, coisas como colocar um vaso ou um cadeado na saída de emergência. O responsável é notificado para desobstruir a saída, porque construiu em desacordo com aquilo que, na primeira fase, foi autorizado. Mas resolveu construir totalmente diferente. Aí não tem como aprovar.

Me explica a taxa de incêndio e nossos caminhões abandonados na rua

A taxa de incêndio, que se não estou enganado é 2% do IPTU, nós estamos negociando um acerto com a prefeitura para que seja repassada ao menos uma parte, que ajudaria a resolver problemas graves.. A população acha que vem para os Bombeiros, mas não. Temos o Funrebon, que é um valor produzido pelas taxas das inspeções, alvarás… A taxa de incêndio, não. As dificuldades são tamanhas que eu tenho até uma parte interditada aqui no quartel. E, sim, nossos caminhões ficam no relento, há muito tempo, num terreno emprestado. Mas, apesar dos pesares, a população de Novo Hamburgo conta com uma tropa altamente qualificada. A maioria dos nossos soldados tem curso superior em educação física, enfermagem, direito, administração… Um soldado intelectualizado presta um serviço muito mais qualificado. Escreve uma notificação melhor, interpreta melhor a lei, sabe explicar melhor. Nosso maior bem é o efetivo, podem acreditar.

A insatisfação não condiz com a realidade, então?

As percepções custam a mudar. Quem enfrentou problemas antes desconhece a nova realidade. Por isso, agradeço a oportunidade de manifestar-me em nome da corporação. Também gostaria de dizer que sou daqui, minha família e meus amigos são daqui. Estou em casa, o que aumenta minha responsabilidade com o trabalho. Moro na cidade, convivo com as dificuldades e com o dia a dia do município e da região. Podem contar comigo e com nossa corporação.

 

2 thoughts on “Heróis ou burocratas?”

  1. Vejo de 2 a 3 vezes por semana (sempre perto do meio dia) um dos caminhões tanque e dois bombeiros entrando de ré com o caminhão, no antigo leito da ferrovia, entre as ruas Pedro Adams Filho e Joaquim Nabuco.
    Buscam uma marmita com comida e vão embora. Quem quiser conferir é só fazer um plantão no local.

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