“MEUS PAIS ME DEIXARAM UM MAUSOLÉU”

Comprar, vender, trocar de casa ou apartamento continuará fazendo parte da vida das pessoas. Mas como será a relação das novas gerações com este investimento que é necessidade e reserva patrimonial ao mesmo tempo? Se tudo está se metamorfoseando, certamente os negócios imobiliários também sofrerão mudanças, visto que já são outros os cenários, os contextos, as percepções e o modo de vida da população. Estamos no meio do caminho na transição entre os antigos e os futuros proprietários do mundo e, do ponto em que nos encontramos podemos, no máximo, fazer algumas projeções a partir dos perfis comportamentais, por exemplo. O que não é pouca coisa. Tampouco é simples. Por isso, procurei o Dr. Jefferson Escobar, psiquiatra com longa trajetória profissional em Novo Hamburgo, para um bate-papo sobre o assunto. A seguir, alguns norteadores.

Dr. Jefferson Escobar – Psiquiatra.

É possível imaginar o futuro da relação das pessoas com os imóveis a partir de uma perspectiva psicossocial?

Nós vivemos num mundo em que o aparentar ter significa muito. Demonstrar que tens condições de morar no endereço tal preenche muitas pessoas de uma maneira bastante significativa e elas acabam apresentando aquilo como um cartão de visitas da sua história. Não de quem são, mas daquilo que elas têm. Isto vem se reforçando junto às novas gerações. O prazer imediato é muito disseminado, e fica mais claro ainda quando se observa o abuso de drogas, o físico muito valorizado, a anorexia nervosa, a vigorexia se espalhando, um abuso de hormônios esteroides. São sinais bastante preocupantes. Muitas pessoas consideram que vale mais a casca do que a essência.

Casarões e apartamentos grandiosos ainda serão sonho de consumo?

É difícil afirmar algo neste sentido, mas esta é uma realidade bem brasileira e bem hamburguense também. Ainda que não necessitem de uma casa com dez dormitórios, as pessoas acabam utilizando isso como uma coisa narcísica, de mostrar para o outro que está em condições de manter aquela estrutura palaciana. Na nossa região a gente percebe muito isso. Guardadas as proporções, é mais difícil o mercado imobiliário daqui absorver um apartamento de 30,00 m² do que um de 200,00 m², não é? Em São Paulo, em Paris e em outras grandes cidades do mundo já é inviável. O investimento por metro quadrado nestas metrópoles é muito alto, mas não é o único fator determinante. Tem a questão da autoafirmação. Em São Paulo, tenho um casal de amigos que reside num apartamento de 40,00 m², 1 dormitório, mais uma sala extremamente confortável, com toda tecnologia que tu possas imaginar, uma cozinha gourmet com alta tecnologia… Vivem felizes assim.

A cultura germânica hamburguense influencia o modo de vida? Ter um imóvel, pra eles, sempre foi importante…

Ter um imóvel, acredito, continuará sendo importante não apenas para os descendentes de alemães. As pessoas precisam morar. Mas precisam viver conforme suas condições. Eu fui herdeiro de um mausoléu. A casa que os meus pais me deixaram de herança era muito maior do que a minha família necessitava e que podia administrar. Acabamos nos mudando, após uma pesquisa em várias regiões da cidade, para um prédio antigo, mais com a nossa cara. Não tenho a necessidade de mostrar, temos outras prioridades na nossa vida familiar. Claro, cada um obedecendo aos seus critérios, seus desejos, suas convicções. O que me referi antes foi em relação a necessidade de mostrar o que se tem para ser alguém. E a vida não pode ser assim.

Olhando para a geração dos teus pais, a dos adultos de hoje e a dos que estão chegando, quais as diferenças?

Nós saímos de uma sociedade patriarcal, onde o pai era o provedor da casa, a mãe não tinha muita voz ativa, não tinha um papel econômico significativo. A geração dos baby boomers, que vai da segunda guerra até 1964. Depois vem a geração X, onde estes pais começam a perder seu emprego, geralmente em grandes corporações e passam a ter uma condição financeira menos favorável. Há um aumento do consumo e as mulheres precisam sair para trabalhar e, assim, ajudar a manter a família e aquela estrutura social proposta. A mulher começa a ser muito mais independente. Vem o advento da pílula anticoncepcional e ela passa a definir se quer ou não quer ter filhos.

O homem e a mulher passam a dividir o papel financeiro…

Exatamente. A família passa a se dividir entre quem provinha e quem não provinha, cabendo ao homem, ainda, um papel um pouco maior, mas com a mulher já tendo uma grande participação nesta nova estrutura. O mundo passa por transformações e o eixo de consumo muda. Esse casal que cuidava dos filhos passa a responsabilidade para outros cuidadores. E ao mesmo tempo desvaloriza esses cuidadores. A escola, que deveria ter um papel importante fica aprisionada. Cria-se uma consciência de que “se eu não consigo dar limites aos meus filhos, então a escola também não pode ter esse poder”.

Explique um pouco melhor Dr Jefferson.

Passamos de uma sociedade patriarcal para uma sociedade fraternal. O pai não olha mais para o filho de cima para baixo, com superioridade. Ele praticamente iguala os dois e isso é temerário, assustador inclusive para os pais. A criança e o adolescente precisam de limites, precisam do abraço, da orientação de quais caminhos podem seguir ou não, e isso a gente perdeu muito. Aí vem a culpa, que está na base da sociedade judaico-cristã. Os pais saem de casa, vão pro mundo resolver suas vidas e acham que abandonaram os filhos. Tentam, então, suprir esta ausência com presentes, jogos eletrônicos, panaceias, ao invés do carinho, do afeto e da educação. Não trabalham mais com a qualidade das relações, mas a quantidade dos bens. Estas mudanças sutis fizeram uma alteração enorme na sociedade e daí surge o errôneo pensamento do tipo: “- Bem, eu me separei da tua mãe, então, vou te dar um apartamento.

 O que deveria ser levado em conta na escolha de um imóvel, na sua opinião?

Mais do que tudo se autoconhecer. E a partir disso, poder se perguntar: eu preciso de uma sala de 40m2 ou de uma sala com uma boa iluminação, com recursos tecnológicos, onde eu possa ver meus filmes, minhas séries, ler meus livros, receber um grupo de amigos? Cada um tem que entender o que é relevante para si. Ter um carrão de luxo ou viajar, fazer um curso de línguas?

Pra encerrar, por que o senhor gosta de viver Novo Hamburgo?

Gosto de morar em NH, porque é uma cidade grande com opções de lazer e perto de cidades interessantes, além de me proporcionar fácil acesso a diversos locais. Além disso, acho uma cidade bonita, que me acolheu profissionalmente. Ainda temos qualidade de vida

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